RESUMO: O presente trabalho tem como escopo debruçar-se sobre a conclusão jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de remarcação de teste físico para candidatas gestante, por meio de análise do julgamento do Recurso Extraordinário nº 1058333/PR.
Ademais, pretende-se apontar as características e diferenciações entre as teses de Repercussão Geral nº 335 e 973, negando a remarcação de teste de aptidão física em razão de circunstâncias pessoais do candidato, ainda que de caráter fisiológico ou de força maior, e permitindo-a em caso de gravidez, respectivamente.
PALAVRAS-CHAVE: Concurso público, teste de aptidão física, remarcação, gravidez, força maior, isonomia, igualdade material.
1. Introdução
Dando concretude a diversos princípios nucleares da Administração Pública, a seleção de pessoal para integrar os cargos e empregos públicos deve realizar-se por meio de procedimento administrativo que assegure igualdade de condições entre os candidatos, em que se busque, por meio de competitividade, aquele melhor qualificado. Trata-se da exigência de concurso público, que abrange cargos e os empregos da Administração direta e indireta, em todas as esferas de Poder.
Neste sentido, dispõe o art. 37, inciso I, da Constituição Federal que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.”
Do texto constitucional sobrescrito, verifica-se que a exigência de que os requisitos para tal acesso sejam “estabelecidos em lei” ou “na forma da lei”, em observância ao princípio da legalidade.
Rafael Carvalho Rezende Oliveira, com o brilhantismo que lhe é peculiar, leciona que a Carta Suprema contém dois comandos destinados ao legislador ordinário. O primeiro deles, de caráter positivo, consiste na imprescindibilidade de que a norma legal abranja todos os requisitos necessários à investidura no cargo e no emprego. Para o autor, tais requisitos “devem guardar estreita vinculação com a função que será desenvolvida pelo agente, sob pena de violação aos princípios da proporcionalidade, da moralidade, entre outros.” De outro norte, negativamente, impõe vedação a criação de novos requisitos por mera previsão no edital do concurso.
Em relação ao teste de aptidão física, sua exigência como etapa seletiva de concurso público exige, cumulativamente, que tal previsão esteja prevista em lei e no edital e que haja uma relação de pertinência e proporcionalidade com as atividades desenvolvidas. Em continuidade, o exame deve utilizar critérios e procedimentos objetivos de aferição e possibilitar ao candidato, em caso de discordância, eventual recurso.
2. Impossibilidade de remarcação do teste físico em razão de circunstâncias pessoais dos candidatos, ainda que fundadas em motivo de força maior
No ano de 2013, o Supremo avaliou a possibilidade ou não de remarcação de teste de aptidão física para data diversa da estabelecida por edital de concurso público, a pedido do candidato, em virtude de força maior que atinja sua higidez física, devidamente comprovada mediante documentação idônea. É o caso, por exemplo, de candidato devidamente inscrito e convocado para o teste de aptidão física, que se vê acometido por doença ou acidente temporariamente incapacitante, comprovado por laudo médico.
No leading case, o candidato havia realizado pedido administrativo para que nova data fosse designada para a realização do teste físico. A administração, fundamentando-se em previsão editalícia expressa, negou o pleito.
A discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal que, ao analisar o Recurso Extraordinário 630733 RG, entendeu haver repercussão geral sobre a matéria, porquanto a questão constitucional em evidência ultrapassava o interesse das partes originais, propalando relevante interesse jurídico, econômico, político e social.
Por maioria e nos termos do voto do Relator, ministro Gilmar Mendes, negou-se provimento ao recurso, reconhecendo, contudo, a inexistência de direito de candidatos à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física, em razão de circunstâncias pessoais, ainda que de caráter fisiológico ou de força maior, salvo se houvesse contrária disposição editalícia.
Entre os argumentos considerados está o de que o princípio da isonomia não possibilita que o candidato tenha direito de realizar prova de segunda chamada em concurso público por conta de situações individuais e pessoais, especialmente porque o edital deve estabelecer tratamento isonômico a todos os candidatos.
Acrescentou-se que a análise da questão não se circunscrevia apenas a isonomia, abarcando também princípios como a impessoalidade, transparência e menor custo aos cofres públicos. Asseveraram os ministros que, ao se permitir a remarcação do teste de aptidão física em tais circunstâncias, possibilitar-se-ia inúmeras e ilimitadas prorrogações e adiamentos, considerando que qualquer candidato em situação semelhante faria jus a remarcação.
Fundada em tais razões, estabeleceu-se a seguinte tese: “Inexiste direito dos candidatos em concurso público à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física, salvo contrária disposição editalícia, em razão de circunstâncias pessoais, ainda que de caráter fisiológico ou de força maior, mantida a validade das provas de segunda chamada realizadas até 15/5/2013, em nome da segurança jurídica” (Tema nº 335 da Repercussão Geral).
3. Da remarcação do teste físico em virtude de gravidez
A remarcação de teste de aptidão física retornou ao Plenário da Suprema Corte por intermédio do Recurso Extraordinário nº 1058333/PR, também com repercussão geral reconhecida. Na oportunidade, discutiu-se o direito de candidata que esteja grávida à época da realização do teste de aptidão física de fazê-lo em outra data, independentemente de haver previsão expressa nesse sentido no edital do concurso público.
O recurso interposto, pelo Estado do Paraná, insurgia-se contra decisão do Tribunal de Justiça que permitiu que uma candidata gestante realizasse o exame de capacidade física do concurso da Polícia Militar em momento posterior aos demais candidatos.
Entre os argumentos recursais, alegou-se que a decisão combatida objetava a decisão do próprio Supremo no RE 630733, quando, em Plenário, decidiu-se não ser possível a remarcação de prova de aptidão física para data diversa da estabelecida em edital de concurso público em razão de circunstâncias pessoais de candidato, ainda que de caráter fisiológico, como doença temporária devidamente comprovada por atestado médico, salvo se essa possibilidade estivesse prevista pelo próprio edital do certame.
Brilhantemente, o relator do Recurso, Ministro Fux, estabeleceu distinguishing entre a situação analisada e aquela estabelecida RE 630733, que versava sobre a possibilidade de remarcação em razão de problema temporário de saúde, hipótese que não se assemelhava à gestação.
Asseverou ainda que “além de gravidez não ser doença, a especial condição de gerar um filho não pode contar em desfavor da mulher”, bem como ser inadmissível impor à candidata gestante a escolha quanto a sua eliminação do certame ou a submissão a risco a sua saúde e do nascituro.
3.1 Dos fundamentos: Igualdade material, proteção à maternidade e à famíla, dignidade humana da mulher, dentre outros
O Acórdão frisa a expressa e especialíssima proteção constitucional à maternidade, à família e ao planejamento familiar e que, ao reverso do defendido pela Fazenda Pública Paranaense, ignorar este amparo constitucional à candidata grávida macularia a isonomia e a razoabilidade.
Nas palavras do ministro relator, “a proteção à maternidade impede que a gravidez seja motivo para fundamentar qualquer ato administrativo contrário ao interesse da gestante, ainda mais quando tal ato lhe impõe grave prejuízo”. Em prosseguimento, afirma que acesso mais isonômico a cargos públicos pressupõe que se neutralize a desvantagem que a condição natural da gravidez possa representar para a genitora.
Além da igualdade material, foram citados o princípio da dignidade humana da mulher (CF, art. 1°, II), a proteção à maternidade (artigo 6º) e o direito ao planejamento familiar e à liberdade reprodutiva (artigo 226, § 7º).
No mesmo sentido, anteriormente, havia se manifestado a Procuradoria-Geral da República, para quem, as mulheres, devido às suas características reprodutivas, muitas vezes fica em desvantagem no mercador de trabalho, cabendo ao Estado intervir para igualar materialmente ambos os sexos nos certames públicos.
A Corte Plenária, por maioria de votos (10 votos a 1), concluiu que a maternidade e a família constituem direitos fundamentais do homem social e do homem solidário em contraponto a saúde pessoal do candidato, que configura motivo exclusivamente individual e particular.
Por fim, fixou-se tese estabelecendo ser “constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público”.
4. Conclusão
A adoção de medidas que, considerando a diferenciação de gênero, busque a igualdade material é necessária para a efetivação dos valores previstos no Texto Constitucional e em diversos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
Sendo assim, o reconhecimento do direito à remarcação de teste físico em decorrência de gravidez, longe de ser um privilégio ou vantagem, apenas avança na concretização da igualdade material, do direito ao planejamento familiar e à liberdade reprodutiva mas, em especial, na busca da dignidade humana da mulher.
Referências
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 630773. Relator: Gilmar Mendes. Brasília, DF, 15 de maio de 2013. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4887206>. Acesso em: 25 abr. 2019
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 1058333. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, DF, 23 de novembro de 2018. Diário de Justiça. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14027922>. Acesso em: 25 abr. 2019
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 7ª ed. São Paulo: Método, 2019.
Bacharel em direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT. Pós-graduada em Direito em Direito Público - Docência Ensino Superior pela Faculdade Damásio. Servidora pública federal do Ministério Público da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Cinthia Steffane Bento de. Remarcação de teste físico em concurso público: Breve estudo sobre as decisões do STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 abr 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /52838/remarcacao-de-teste-fisico-em-concurso-publico-breve-estudo-sobre-as-decisoes-do-stf. Acesso em: 29 dez 2024.
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